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quarta-feira, 10 de junho de 2009

A Chama.







Na gravura em metal, especialmente em técnicas diretas como o buril e a ponta seca, podemos visualizar a energia das imagens realizadas sobre a placa de cobre ou sobre o zinco, latão, acrílico e outros suportes alternativos e resistentes para a impressão no papel, de maneira privilegiada. É desta energia que também observamos como a linha “suja”, cinzenta em alguns casos, crua e tremula pode compor uma paisagem interna difícil de ser aceita pelo aluno como a sua primeira manifestação de força e de vontade frente ao material bruto e duro. O cobre vermelho, quando maculado, expele uma espécie de fuligem nos sonhos-densidade sobre a superfície. Uma luz quente feita pelo tempo durante o pôr-do-sol, entre outras estações, turvadas pela luz do metal.
O trabalho do gravador se resume a isso:1. Tempo para o fragmento.2. Força para dividir a luz e explorar pela incisão a cor das estruturas em movimento-ambiente.Existem sempre na matriz duas saídas para a imagem que logo (pela estampa) é transportada sobre o papel.Na primeira, posso chamar de memórias alçadas pela esperança do aluno de poder apreender a extrair e multiplicar pela natureza do meio algo de sua experiência no tempo, imerso nas ligas dos metais assim que realiza o trabalho de corte. Devemos ter sempre em mente esta via dupla de imersão vermelha, um espelho do nosso próprio corpo respirando e expirando a vida que sai dos pulmões pelas metáforas do sangue arterial ou venoso, diante das lembranças que constroem por força muscular, a imagem (o arquivo que como um peixe preso numa rede) é transportado para fora do corpo e depositado sobre a placa, através das rebarbas da ponta seca ou da linha luminosa do buril. Por técnicas diretas temos um diagrama das forças vivas. A segunda saída é a observação dos elementos disponíveis para os sonhos, para a acidez das formas que devem ser interpretadas como estruturas circulares, ou seja, estruturas que estão ao redor do artista naquele momento de ateliê onde os materiais de impressão surgem como porta vozes dos seus sonhos. As prensas transformam-se em áreas portuárias. Os instrumentos em pequenos galpões vistos do alto de um morro. As mãos em gigantes que agarram tudo, largam tudo, apertam, raspam, escolhem, movendo-se fortes pela mesa-paisagem, procurando estabelecer na matriz uma lavoura. Constroem um pomar na qual mais tarde o artista poderá colher os frutos verdes e maduros (não importa), perfeitos no tempo de um conto de fadas. Aliás, em muitas oportunidades o tempo desaparece para dar lugar às possibilidades da observação e da memória que exercem atuação intensa no coração enquanto trabalho lúdico criando um mundo “gasto” pela passagem da longevidade. São lentos e pesados os fardos da construção da imagem em relação à estampa. Quando a matriz é colocada sobre a prensa: horas, semanas e até meses de trabalho são afunilados pela pressão da máquina sobre o papel. A tinta de modo mágico condensa estas forças vivas que marcaram a placa pelo visto e o imaginado, pelo desejado e o perdido, pelas cicatrizes da passagem dos sonhos sobre o material, pelo tempo criado molecularmente entre as incisões. A tinta irá tingir as fibras do papel e criar com isso um mundo de relevos e nascentes gráficas onde a alma do artista vai habitar e viajar seguindo os mistérios da polpa. A matriz como uma arca cheia de riquezas é enterrada no papel com o alçapão aberto. Observamos a estampa (muitas vezes sobre o papel macerado, quase “mastigado” pela prensa) como a possibilidade de entender por signos geográficos algumas tensões delicadas que a mão (pelo toque de corte) pode enfim exercer sobre o material dúctil-puro, impulsionado (na planície) pela observação e pela memória. Em ambas, o aluno-artista estabelece o significado da palavra tempo cobrindo-o de uma magia difícil de ser explicada por que o olho (pelo papel) é transportado sobre o lombo desta entidade que se desfaz e se perde facilmente na luz. Cabe a linha reforçar esta ligação com as coisas reais. A linha gravada por força resgata o tempo da imensidão do olhar, da imensidão de um mundo de luz, um mundo de nuvens, para ser arremessado diretamente para as cápsulas escuras das fendas. É estocado como alimento nas incursões musculares pelas ligas das matrizes através da sombra. Também nas rebarbas leves e pesadas como muros feitos de grãos de arroz, feito de tijolos: é guardado como cor, como movimento e como mancha e as escamas antes brilhantes logo escurecem pela atividade do corte bruto, abrindo canais para as raízes dos pensamentos estruturados nas formas do céu.
Torna-se um peixe que vive sob o lodo, uma montanha habitada temporariamente por um alpinista, os passos de um andarilho circulando na porta de uma padaria, as roupas de um rei dobradas sobre a cama, alguma marca, algum conto, alguma forma consciente de representação de um mundo vermelho, cinzento, dourado, esquecido, reconhecido, sonhado, disperso na atividade humana em desenvolvimento, em expansão pelos sonhos ácidos do papel além da marca d`água.
Ulysses Bôscolo, madrugada de 2 de abril de 2008. Em processo de modificação, dia 10 de junho de 2009
Sobre O Teorema das Forças Vivas.

5 comentários:

  1. ahhh!!! muito bom ver foto de voce girando a prença de novo . sinto falta de ver isso ao vivo toda semana como quando eu ia la no lasar segal (so pra enxer o saco de voces )e te via mandando ver na prença e imprimindo umas 1000 gravuras .
    a proposito .... obrigado por ter dado uma passada la no meu blog . e oque voce comentou sobre iluminuras ta certissimo ,tenho me apaixonado ja a muitos anos por ornamentaçao medieval em geral.parece que so voce percebeu isso , ou pelo menos foi o unico que comentou algo a esse respeito.
    tenho acompanhado seu blog com muito mais frequencia do que voce imagina .gostei muito das fotos do post anterior a esse ultimo .
    so uma reinvidicaçao : posta mais gravura!!!!!!!
    um abraçao. caio

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  2. Oi Ulysses!!

    Bom ver estas imagens da Oswald. Fico Feliz! Quando comecei o espaco era muito precário, as prensas numa sala, a mesa na outra.
    Um abraço
    Andréa

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  3. Adorei o texto!!! Quantas marcas deixadas pelo trabalho!
    Uma prensa girando,
    um metal chorando,
    um papel sangrando.
    Lê-se uma vida inteira em seu texto.
    Linhas mais ou menos marcadas
    Dependendo da intensidade da ação.
    Fantástico!

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  4. Agradeço a todos os comentários postados.
    Realmente Caio, sinto falta de conversarmos um pouco como no Segal, ou na casa do Rodrigo... aonde for, para falarmos sobre pintura e o mundo, sobre formas de construir "um bem". Os seus trabalhos são verdadeiras iluminuras contemporâneas. Adoro estar no ateliê e conviver, sempre, com a sujeiro das tintas gráficas, que se parecem com oficinas de mecânicos.
    Andrea, se o ateliê da Oswald existe, é graças a você e seu esforço como artista, de tentar levantar aquilo. Serei sempre grato por esta iniciativa.
    "Re", nos conheçemos pelo blog a poucas semanas. Fico feliz por você estar acompanhando meus textos, meus trabalhos que eu venho desenvolvendo, ao lado de outras pessoas também, que trabalham e produzem poesia-imagem-coração-diários, de maneiras tão diferentes que podemos aprender, um com o outro, a compartilhar um "bem"... um modo de se fazer arte em um terreno, povoado de incertezas.

    Forte abraço a todos,
    Ulysses.

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  5. Outra coisa, antes que esta mensagem desapareça de novo, como aconteceu agora pouco, o ateliê da Oswald de Andrade tem sido um terreno onde tenho cultivado certa paciência com os alunos. São pessoas muito diferentes, vindas de todos os cantos de São Paulo, incluindo a periferia e os bairros mais ricos. Fiz algumas gravuras, experimentei placas de cobre, acrílico e zinco. Fiz monotipias... mas o contato com cada um deles, de alguma forma, me rejuvenece... apesar de eu estar bem fora do peso... comendo muito chocolate. Bem, isso me dá força para viajar, movendo a manivela da prensa!
    O único vício urbano que mantenho, ao lado de uma boa xícara de café.
    Abrs.
    Ulysses.

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