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segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Idéias para o mês de abril


O Espelho Vermelho
Introdução as Oficinas Culturais Oswald de Andrade: abril 2009.

Uma Célula
Ateliês de gravura respondem a uma boa parte das inquietações manifestadas no coração do artista. Um "coração curioso" despertado pela visão das máquinas (prensas) e dos instrumentos originais (muitos deles utilizados na ourivesaria e na marcenaria) para elaborar um "desenho", uma "viagem" durante processos específicos de trabalho, que podem, contudo, unir a pintura e a gravura feitas sobre a matriz como receptáculos, de um conhecimento "histórico" que é estampado sobre o papel. As estampas geradas a partir de madeiras ou de metal (cobre, chumbo, zinco) deram origem à gráfica que temos hoje, englobando aos poucos todo o processo "digital" relacionado ao conhecimento e a linguagem da imagem como símbolos de uma cultura corrente, para ilustrar o mundo das artes e de outras esferas de trabalho dentro da indústria, relacionada com a tiragem. Tudo através da gravação e impressão sobre pano, pergaminho, couro e papel, percorrendo os caminhos naturalmente movidos pela tecnologia da forma livre, ou seja, do livro. Tanto a calcografia quanto a sua irmã mais velha, a xilogravura, constroem dentro do ateliê uma especial ligação com este tipo de artesanato. Uma espécie de diagrama onde o artista, que por princípio deseja multiplicar a sua obra fora dos sistemas usuais da "malha digital", deseja aliar-se a um tempo especialmente proposto pela manipulação dos instrumentos de corte e pela força muscular, ligada pela inteligência das mãos. Podem propor autênticos labirintos, vontades disparadas pelo olhar, "desenhos imprevísiveis" pelos sonhos, pela realidade de luz e outras identidades manifestadas no "corpo gráfico" (macio ou duro) e por que não, bombeando através da gravação e da impressão uma generosidade rara para com todos os artesãos que como ele, passaram na história, a construir suas obras em ateliês coletivos ou particulares de diferentes maneiras. Motivam-se pelos motores da troca e pela possibilidade de vivenciarem fisicamente a gráfica impressa, no caráter das tintas afundadas por pressão sobre as fibras do papel. Seja pelo livro, sejam pelos artifícios do cartaz, os ateliês de gravura justificam o berço de uma cultura (até certo ponto alternativa pois faz uso extremo das mãos e dos olhos como guias de qualidade intíma para um desenho, mapeado através das incisões abertas nas matrizes). São irradiações também de uma vontade de olhar o mundo através de meios “sem fio” relativamente simples sob a condução de sua própria energia. Por que as incisões em cobre através da gravura em metal ou do entalhe na xilogravura proporcionam a visão de uma "identidade feita no espelho das emoções", que se chocam com as qualidades de um desenho pinçado em extratos sociais, políticos, econômicos, agindo sobre as possibilidades de figurar ou abstrair a realidade e os sonhos alcançados também, pela repetição. Pela virtude da tiragem.
A importância de manter os ateliês de gravura coletivos abertos para a fase inicial da "experiência" pela "matéria" significa perceber, na cidade de São Paulo, um espelho de forças em situações que envolvem a imagem “no tempo” como origem das emoções construídas, pensadas e organizadas no mundo dinâmico, partilhado nas incisões, nas impressões, no conhecimento real - vivido nas tintas, nas fibras, no berço da prensa e na espectativa bonita do sucesso e do fracasso, avessas talvez, a urgência claustrofóbica de informações e a banalização da imagem cotidiana como informação, pela internet, pelos jornais e revistas Não como oposição (diga-se de passagem) mas como uma escolha do artista ou qualquer pessoa que queira experimentar e vivenciar os processos manuais antigos de gravação, estando numa célula alçada sobretudo, no trabalho voluntário e na poesia procurada dentro dele mesmo, soterrada pela falta de opções para elaborar um conhecimento próprio no tempo administrado pelo Espírito, motivado pelas condições especiais do lugar.
Gravura em metal
O curso de gravura em metal está dividido em duas etapas:
1. leitura de textos que esclarecem o “fazer e a impressão” de matrizes em cobre, abrangendo a introdução aos papéis, materiais de impressão e tintas disponíveis no ateliê, além e esclarecer o que o aluno deverá trazer, para continuar as aulas, dentro do período programado: 22 de abril a 30 de junho.
2. Prática através de incisões diretas como ponta secas, raspadores, facas e brunidores. Uma rápida introdução a monotipia usando bases de vidro, madeira ou prensas.
O aluno irá apreender a lidar com instrumentos simples de gravação para poder entender a diferença entre gravar e desenhar. Neste aspecto, a gravura em metal requer alguma disciplina para começar a ser executada, assim como paciência na elaboração das primeiras incisões. O objetivo central do curso é lidar com uma força ansiosa de gravação para uma força concentrada que o aluno irá administrar (com a ajuda do professor) aliando meios técnicos e emocionais com a criação e a impressão de imagens sobre papel ou tecido. Proponho, pelos processos antigos da gravura, esclarecer uma força de trabalho presente na cor vermelha do cobre como "conhecimento de um mundo interior" prestes a ser multiplicado.
Ateliês Livres
Retomar o trabalho desenvolvido nos Ateliês Livres de Gravura nas Oficinas Culturais Oswald de Andrade (exercício de 2007) em colaboração com os artistas Gilberto Tomé, Kika Levy e Francisco Maringelli, sob a coordenação de Jurandyr Valença. Os ateliês de gravura da Oswald fazem parte de um ciclo histórico de tentativas e conquistas, dentro da cidade de São Paulo, de incentivar pela liberdade no espaço comum, pelos bons materiais empregados e pela prática à produção de estampas fora da esfera universitária, propondo um diálogo direto com questionamentos e vontades sociais que chegam, primeiramente como necessidade e segundo, por fatores econômicos. Os ateliês são locais movidos pelo especial valor de produzir imagens apoiadas na sociedade, em diferentes ramos do conhecimento. Um lugar privilegiado para experimentar suas próprias forças, localizada em um bairro que naturalmente está, na esfera, no coração de uma cidade múltipla de costumes comuns e exóticos.

Início previsto para as aulas: quarta feira, 22 de abril de 2009.

Memórias reais: Assim que fui chamado, no final de 2007 pelo artista Gilberto Tomé, para dar aulas nas Oficinas Culturais da Oswald tentei, por períodos "curtos" de tempo, desenvolver pequenos textos que pudessem de algum modo, esclarecer a trajetória dessas aulas e os equipamentos ali utilizados. Devemos em parte a artista Andrea Corbani a manutenção das prensas e da primeira compra (provavelmente em anos antes da entrada do Jurandyr) de instrumentos bons para trabalhar o corte e principalmente, a impressão. Parece que as prensas não estavam lá em bom estado também, antes que o Waldir (artista e técnico de gravura da USP e das Oficinas de Gravura do SESC Pompéia) pudesse enfim,reforma-las. São duas prensas da Topal totalmente recuperadas por ele em uso constante, no ateliê.

Sobre o amigo Saulo di Tarso.




Trabalhei com o Saulo di Tarso em diversas oportunidades sempre atestando a seriedadedo do seu trabalho. Um amigo... um "bem" ministrado pela natureza especial do artista de preservar o seu espírito nas margens do ateliê, cuja a luta (por que não?) reside numa certa fluidez na sociedade justamente pela qualidade da imagem. A imagem alcançada pelos artistas são sonhos crus derramados no coração das pessoas. Antes de ser curador e programar mostras de Artes Plásticas em todo o Brasil, principalmente em São Paulo, ele era (e ainda é) um grande desenhista. Apaixonado por litografia e pela história da arte em suas diversas fatias no espiríto, estou certo que, intímamente, ele queria na verdade é se infurnar no ateliê e se afogar de trabalhar sua imagem germinada sempre pelo CAOS, pela ferrovia do branco e do preto. Dois corpos em movimento serpenteando o planaltocom os olhos observando os móveis físicos e mentais do artista, alcançando os sonhos nos poros das pedras litográficas e indo por pressão diretamente no papel. Talvez seja esta pressão que o fez, de modo análogo, ir para a atividade visual da curadoria e da montagem de exposições. A energia de combate como uma pressão estancada por hora no ateliê para ministrar uma atividade política de arte - desenho e expressão visual no espaço político da cidade, sob diferentes contextos absolutamente de peito aberto. Em inúmeras oportunidades eu o vi discutir voluntáriamente (seja em palestras ou nos ateliês livres arriscando o seu próprio cargo inclusive) por melhores condições para o artista trabalhar, produzir e expor com dignidade nas instituições públicas. O público por hora é o seu "arpão" representando no modo de operar em exposições destinadas a refletir profundamente a arte brasileira, principalmente sobre o desenho e a gravura, um modo franco de criar diálogos promissores. Uma sua causa ganha pela arte, pela vida dedicada aos ateliês. O Saulo sempre almejou "o ateliê" como uma célula de conhecimento cruzado, rápido, dinâmico e livre para o mundo onde o espaço era discutido enquanto realidade prática do país. Longe de uma erudição estéril mas de uma solução pautada na história dos artistas que produziram no Brasil suas imagens a partir da natureza econômica e almejaram uma natureza possível de ser mostrada enquanto fantástica e absolutamente real, ligando um artista ao outro, um jovem a um mestre e vice versa por ateliês livres, por amor a prática e ao conhecimento do dia a dia em contato com a matéria, realizando com suas mostras um intercâmbo importante no tempo. Durante a mostra "Mário Gruber e a Metafísica dos Planos" (citando apenas uma das dezenas de mostras que realizou) Saulo di Tarso fez uma das maiores exposições de gravura no Memorial da América Latina que eu já vi. Pude participar com isso ao seu convite, ao lado de um dos maiores gravadores que o Brasil já produziu e que hoje infelizmente está um pouco esquecido... mas absolutamente vivo na alma de cada uma das pessoas que estiveram na exposição observando, além de espampas em água-forte, ponta-seca, água-tinta sob um requinte ímpar; uma reunião de artistas mais novos que circulavam sem saber ao seu redor. Eu era um deles, comovido pelas gravuras em pequenos formatos do Mário, cuja a exposição no Instituto Moreira Salles "Dois Gravadores Paulistas" reunindo no mesmo espaço Evandro Carlos Jardim e Mário Gruber marcou os meus anos de formação em 1998 - 1999. Quase dez anos depois, eu estava na mesma sala que ele na Galeria Marta Traba apoiado neste mestre, cuja abranjência "por notório saber", ou seja, pela simples e sofisticada experiência de ateliê (sem mestrados ou doutorados como válvulas obrigatórias para o mercado de trabalho) se dispôs a conhecer o mundo prático do artista, enquanto célula especial dentro de uma sociedade. Enquanto guia, enquanto maneira de ser empunhando o cetro da imagem bombeada pela natureza de uma experiência, assim eu via a Exposição do Mário Gruber como uma coisa difícil de ser digerida exatamente pela imensa qualidade manifestada na curiosidade dele frente ao enigma da gravura e a sua extensa produção, como uma Rosa dos Ventos indicando o passado, o presente e o futuro para a arte brasileira. Saulo di Tarso soube desenhar o espírito deste velho gravador e incluir, em toda a capital, uma maneira de pensar livremente um saber apoiado na gravação e na solidão das matrizes como carimbos de um mundo interior, em choque construtivo com a luz, com as pessoas de modo geral. Se eu posso definir o trabalho e a seriedade das propostas feitas para a cidade de São Paulo e recentemente para Santo André, eu diria que a exposição do Mário Gruber na Galeria Marta Traba foi um presente para a arte brasileira e especialmente para os novos artistas. Uma emoção difícil de ser descrita por que ela foi feita pelo trabalho e pelo estudo de uma pessoa, de um artista que assumiu de fato responsabilidades irritantes de carregar por que está (de humor) nas esferas das atitudes sinceras. Acho que o Saulo encontra-se sozinho como um ponto de nanquim derramado sobre uma folha de papel. Aliás, de certa maneira como todos nós. Um espelho deste mundo, uma esfera.... uma oca... a dimensão de um círculo interrompido pelas poucas serdas de um pincel. Algo incompleto por realizar em si um dever, uma espécie rara de honestidade em busca de uma oportunidade de mostrar verdadeiramente a sua cor. A cor preta de uma assinatura.
Ulysses Bôscolo, março de 2009.