“...Sou um homem de causas. Vivi sempre pregando, lutando, como um cruzado, pelas causas que me comovem.
Elas são muitas, demais: a salvação dos índios, a escolarização das crianças, a reforma agrária, o socialismo em liberdade, a universidade necessária. Na verdade, somei mais fracassos que vitórias em minhas lutas, mas isso não importa. Horrível seria ter ficado ao lado dos que venceram nessas batalhas.”
Darcy Ribeiro
“Quero terminar essa minha fala dizendo que a Jango devemos uma outra coisa muito bonita, que a meu coração fala especialmente: aquele senso de liberdade, de democracia e de criatividade cultural. É naquele período de Jango que surge um movimento poderoso que se estende a 1968: o movimento da bossa nova, o movimento do cinema novo, o movimento das canções de protesto, o movimento do teatro de opinião, movimentos que empolgavam toda a juventude, ganhando-a para si mesmo e para o País. Isso é o que falta hoje.”
Darcy Ribeiro líder do PDT, sobre João Goulart
Elas são muitas, demais: a salvação dos índios, a escolarização das crianças, a reforma agrária, o socialismo em liberdade, a universidade necessária. Na verdade, somei mais fracassos que vitórias em minhas lutas, mas isso não importa. Horrível seria ter ficado ao lado dos que venceram nessas batalhas.”
Darcy Ribeiro
“Quero terminar essa minha fala dizendo que a Jango devemos uma outra coisa muito bonita, que a meu coração fala especialmente: aquele senso de liberdade, de democracia e de criatividade cultural. É naquele período de Jango que surge um movimento poderoso que se estende a 1968: o movimento da bossa nova, o movimento do cinema novo, o movimento das canções de protesto, o movimento do teatro de opinião, movimentos que empolgavam toda a juventude, ganhando-a para si mesmo e para o País. Isso é o que falta hoje.”
Darcy Ribeiro líder do PDT, sobre João Goulart
A magia das Casas
Caros amigos e amigas,
Nunca é tarde para desejar o melhor a vocês e aos seus e suas pessoas queridas pelo que
passou em 2009 e o porvir.
Esse é um ano bastante único para mim: comecei saindo da Casa do Olhar, em Santo André e
tendo na pele a vivência política de uma transmissão de governo em que o sucessor aniquila o
antecessor em moldes precários, apartado por inteiro de qualquer respeito ou cuidado que se
deveria ter com a população de uma cidade.
Pero, a César o que é de César, afinal, povo e governantes são responsáveis. Enquanto não se
tratar a cidadania com respeito e enquanto não houver uma postura nos cidadãos e cidadãs
que responda a essa regra vital não seremos uma nação. O micro é o macro. Durante esta
experiência coloquei em risco a confiança de quem me havia aberto espaço para retornar
como apartidário a minha cidade natal, e agir como responsável por uma instituição voltada às
artes visuais que está esquecida na sua história mas que teve seu inicio gravado e construído
por Mario Schenberg, Rino Levi, Maria Eugenia de Melo e Franco, Enock Sacramento, Roberto
Burle Marx e Luis Sacilotto, quando criaram o SARC de Santo André. Conduzi o trabalho na
instituição durante a transição até o último momento enfrentando a ignorância acéfala de
gente desavisada, cegada por um delírio errôneo da vitória. Neste momento lembrava-me
sempre de duas personagens da história e duas frases que me comoviam continuamente nesta
experiência. Uma do professor Milton Santos em que dizia “que vivemos sob a tirania do medo
e da desconfiança” e a outra de Leon Tolstói: “na guerra todos perdem”.
A guerra é o cotidiano e a desconfiança infelizmente é a tônica de muitas posturas na
sociedade contemporânea, seja onde e no que for, numa relação simples entre dois, nas
relações de poder. E, se a razão e a coragem não se sobrepuserem à mediocridade, a vitória da
mesmice é certa e a condenação da sociedade ao excesso da miséria e atraso também.
O que vi em Santo André é exemplo típico, um fragmento sociológico importante para mostrar
o que acontece generalizadamente na política brasileira: entrando literalmente com o
complexo de vira-lata para “destruir o PT” o prefeito eleito pelo PDT vinha solando o rival
derrotado e envergonhando a história de figuras ilustre deste partido, como João Goulart e
Darcy Ribeiro.
E a coisa que me chocou profundamente este ano foi a atitude criminosa do poder público em
São Paulo em relação às famílias da ocupação Olga Bernário, no bairro do Capão Redondo. A
imagem feita pelo fotógrafo Paulo Whitaker desapareceu dos noticiários. A consciência não
avança assim. Temos que olhar com coragem o que se passa na sociedade brasileira. Na maior
cidade da America do Sul é inadmissível, ainda mais sob a égide de governador presidenciável
como é José Serra. A atitude esperada é outra, tanto dele como a do prefeito de São Paulo, seu
sucessor.
Me chocou também o fato de que ao procurar grupos sociais de esquerda, fui tratado como
alguém que fazia um “desabafo típico da classe média”, como se não soubesse que todos os
dias ocorre o mesmo e de forma até mais atroz na metrópole e mundo à fora. Tanto na
esquerda como na direita encontrei pouquíssimos aliados para fazer qualquer coisa a respeito.
Fiquei de fato estarrecido, tenho um filho da idade desta criança. Procurei também as pessoas
do local. Não houve meios de saber quem é esta mãe quem é este filho. Mas creio que quem
tem mais tem ajudar a quem tem menos e quem tem menos tem que ter acesso ao equilíbrio.
Tudo o que faço a partir desse momento pressupõe essa ética: um Brasil melhor e uma
humanidade melhor. Não falo de arte engajada, mas de um momento histórico, o qual
vivemos, que é muito propício ao desejo de transformação social, temos mais instrumentos do
que antes e faremos mais para melhorar a sociedade se desejarmos isso mais e sinceramente.
Em suma, o ano começou selado por uma visão da ignorância política, a dislexia social, o
analfahistoricismo geral. Passei a imaginar que gregos e troianos unidos podem mudar essa
história. Não importa de que partido sejam e nem se são ou não de algum partido, porque é
uma questão de noção coletiva, coragem pra dizer basta e atitude pra mudar. Chamem-me de
sonhador e espero vocês com um compasso, uma régua e um GPS e outras possibilidades da TI
para lhes mostrar como um sonho pode se transformar em um traçado de ação e na conquista
de bem estar social.
Segui em silêncio, mergulhei mais fundo na realidade e por sinais, a fé na transformação
eclodiu seu horizonte. Mergulhei na história dos partidos políticos, da República, da América
Latina, começando pela América do Sul. Troquei meu passaporte velho para ir para a Romenia
e recebi um novo cuja designação é o Mercosul. Voltei ao sonho e conduta de integração que
conhecemos na ação de inúmeros políticos e pensadores brasileiros; lembrei de meus amigos
colombianos, peruanos, argentinos, cubanos, mexicanos e das conversas que tive com um
amigo que admiro muito, o Marcio Harum, quando falávamos sobre a falta de circulação e
diálogos internacionais em São Paulo. Renasci depois de uma reflexão fortíssima ocasionada
por uma série de encontros que houveram no CCE SP, organizadas pelo Harum: indeléveis da
nossa reflexão a questão do mais óbvio que surge, ou seja, o fato de que não visitamos os
nossos vizinhos e tampouco os recebemos. Dos encontros, as figuras de Alberto Lopez Cuenca,
Creixell Espila Gilart e Manuela Moscoso. Eles vivem problemas muito parecidos com os
nossos. Bom, para encurtar, desde que retirei meu passaporte novo a palavra Mercosul criou
uma ampliação terrena e possível na minha mente. Fui visitar a Bienal do Mercosul e da
mesma forma, quando olhava o rio Guaíba, surgiu uma intuição de começar um trajeto sul-
americano: o nome da cidade de Montevideo parecia um neon piscando cadenciado aos meus
passos nas ruas de Porto Alegre. Quando li no Jornal “Zero Hora” que o novo presidente do
Uruguay seria escolhido nas próximas horas, não tive dúvida: era só pegar o avião e ver o
resultado nas ruas de Montevideo. Juntei isso com um velho desejo de conhecer o Museo
Torres Garcia e pronto.
Horas depois estava lá, desci em Carrasco, senti uma comoção estranha e meu corpo
pendendo para o lado esquerdo, vi cores, vapores e luz diferente. Minutos depois, estava
abrindo a janela do hotel e mirando a Plaza da Independencia. Desci. No primeiro antiquário
que encontrei, bem na esquina da Bartolomé Mitre com a Sarandi, um galo em bico-de-pena
do Aldemir Martins, dos anos 60 e uma gravura em metal, um exu em cores de Mario Cravo
me davam as boas vindas. Um quarteirão depois encontrava o Museu Torres Garcia e o mapa
da America do Sul de ponta-cabeça, desenhado afinal por um artista oriental que acabava de
explicar a estranha sensação pensa que eu tinha no meu corpo: mudei de Hemisfério. Um
tupamaro, Mujica, havia sido eleito pela Frente Ampla. Esquadrinhei todas as ruas da Ciudad
Vieja, encontrei um velho comitê da Frente Ampla, conversei com socialistas de quatro
décadas de militância: ouvi bem suas palavras e segui atrás do que acabei por encontrar
depois de encontrar algumas coisas e perder um avião e encontrar mais coisas. Na manhã
seguinte encontrei na Aleph a primeira edição de um livro de Torres Garcia: “La Ciudad sin
Nombre”... quando abri o livro foi como se toda uma cidade de encaixa-se ao redor do meu
corpo ínfimo como a peça de um quebra-cabeças no vapor da cena. Voltei ao Museo e olhei
bem a cara do Torres Garcia antes de continuar a caminhada. Em seguida, entrei na Galeria
Latina e encontrei a “Obra de Arte Tangible” de Augustina e Eugenia, que me levou a hija
natural de Torres Garcia, Jacqueline Lacasa e a “Puta La Madre que nos Parió”, de Anaclara
Talento: terminei de olhar a obra e entrou na mesma sala Alfons Hug, que ficou ligadíssimo na
obra de Anaclara. Ecurtando novamente, meu ano começou com a vivência da extrema
desconfiança e terminou no prisma da extrema confiança. A desconfiança é mais ou menos
assim, você ama, a pessoa amada duvida, você quer estender a mão e desconfiam do motivo
da força, você quer dividir a filosofia, alguém compete com você e anula o diálogo, age de modo suprapartidário te excluem das esferas da suposta ação coletiva... então você quer se
integrar a um partido e não há escuta...
Mas, felizmente, existe o outro lado da moeda, alguém que te deu atenção antes, num lugar
distante, lhe revela um sentimento passado e presente e o amor torna-se vivo, muitas pessoas
de um lugar que você nunca pisou antes te abrem as portas e lhe dão a mão numa velocidade
e confiança assustadoras, suas idéias ecoam com a verdade dos primeiros segundos do
encontro, olho no olho e a filosofia, um desejo de integração sudamericana começa a se
estruturar como mágica, a partidarização das coisas desaparece em nome de um conjunto.
Nunca foi tão difícil e tão sem obstáculos, ao mesmo tempo, poder contar essa história e dizer
que regi o acaso apenas atendendo ao desejo sincero de fazer a mostra “se así somos así
seamos”, que é o presente que recebi em 2009 absolutamente sem tempo de guardá-lo sem
que ele já estivesse explicitado in tempo real, como continuará até o dia 31 de janeiro na
Galeria Marta Traba. A mostra é um fruto de colaboração de todos que nela estão. Obrigado!
Com isso vivi também a experiência de não poder duvidar nem um segundo do que estava
fazendo, quase sem saber porque, acreditei por mim e pelos envolvidos por um percurso de
“10 dias”.
Então quero desejar um 2010 de profunda crença a todos e todas cada qual no seu caminho.
Acreditem! Que a magia das casas seja aplicada no mundo, e que o melhor de nós seja dado ao
projeto de um planeta melhor e de relações melhores entre nós e para aqueles que precisam
de atenção. Fé e atenção! Que a magia da casa preencha as ruas de 2010 com a construção-
educação da casa das pessoas e não comece por incendiar vidas as 5h30 da manhã como
passou em 2009. Dignidade aos brasileiros e brasileiras! Apoio mútuo no lugar somente da
competição e da desconfiança e a barbárie que ela gera. Meu coração estará no Brasil e no Uruguay na virada de 2009 para 2010 pela e 100% focado em olhar e mostrar o que precisa ser visto e mudado! Em 2010 minha utopia é provocar a união de todos os políticos a favor do Brasil bem mais que suas siglas e afirmar a arte contra a pobreza.
Um abraço sincero,
Caros amigos e amigas,
Nunca é tarde para desejar o melhor a vocês e aos seus e suas pessoas queridas pelo que
passou em 2009 e o porvir.
Esse é um ano bastante único para mim: comecei saindo da Casa do Olhar, em Santo André e
tendo na pele a vivência política de uma transmissão de governo em que o sucessor aniquila o
antecessor em moldes precários, apartado por inteiro de qualquer respeito ou cuidado que se
deveria ter com a população de uma cidade.
Pero, a César o que é de César, afinal, povo e governantes são responsáveis. Enquanto não se
tratar a cidadania com respeito e enquanto não houver uma postura nos cidadãos e cidadãs
que responda a essa regra vital não seremos uma nação. O micro é o macro. Durante esta
experiência coloquei em risco a confiança de quem me havia aberto espaço para retornar
como apartidário a minha cidade natal, e agir como responsável por uma instituição voltada às
artes visuais que está esquecida na sua história mas que teve seu inicio gravado e construído
por Mario Schenberg, Rino Levi, Maria Eugenia de Melo e Franco, Enock Sacramento, Roberto
Burle Marx e Luis Sacilotto, quando criaram o SARC de Santo André. Conduzi o trabalho na
instituição durante a transição até o último momento enfrentando a ignorância acéfala de
gente desavisada, cegada por um delírio errôneo da vitória. Neste momento lembrava-me
sempre de duas personagens da história e duas frases que me comoviam continuamente nesta
experiência. Uma do professor Milton Santos em que dizia “que vivemos sob a tirania do medo
e da desconfiança” e a outra de Leon Tolstói: “na guerra todos perdem”.
A guerra é o cotidiano e a desconfiança infelizmente é a tônica de muitas posturas na
sociedade contemporânea, seja onde e no que for, numa relação simples entre dois, nas
relações de poder. E, se a razão e a coragem não se sobrepuserem à mediocridade, a vitória da
mesmice é certa e a condenação da sociedade ao excesso da miséria e atraso também.
O que vi em Santo André é exemplo típico, um fragmento sociológico importante para mostrar
o que acontece generalizadamente na política brasileira: entrando literalmente com o
complexo de vira-lata para “destruir o PT” o prefeito eleito pelo PDT vinha solando o rival
derrotado e envergonhando a história de figuras ilustre deste partido, como João Goulart e
Darcy Ribeiro.
E a coisa que me chocou profundamente este ano foi a atitude criminosa do poder público em
São Paulo em relação às famílias da ocupação Olga Bernário, no bairro do Capão Redondo. A
imagem feita pelo fotógrafo Paulo Whitaker desapareceu dos noticiários. A consciência não
avança assim. Temos que olhar com coragem o que se passa na sociedade brasileira. Na maior
cidade da America do Sul é inadmissível, ainda mais sob a égide de governador presidenciável
como é José Serra. A atitude esperada é outra, tanto dele como a do prefeito de São Paulo, seu
sucessor.
Me chocou também o fato de que ao procurar grupos sociais de esquerda, fui tratado como
alguém que fazia um “desabafo típico da classe média”, como se não soubesse que todos os
dias ocorre o mesmo e de forma até mais atroz na metrópole e mundo à fora. Tanto na
esquerda como na direita encontrei pouquíssimos aliados para fazer qualquer coisa a respeito.
Fiquei de fato estarrecido, tenho um filho da idade desta criança. Procurei também as pessoas
do local. Não houve meios de saber quem é esta mãe quem é este filho. Mas creio que quem
tem mais tem ajudar a quem tem menos e quem tem menos tem que ter acesso ao equilíbrio.
Tudo o que faço a partir desse momento pressupõe essa ética: um Brasil melhor e uma
humanidade melhor. Não falo de arte engajada, mas de um momento histórico, o qual
vivemos, que é muito propício ao desejo de transformação social, temos mais instrumentos do
que antes e faremos mais para melhorar a sociedade se desejarmos isso mais e sinceramente.
Em suma, o ano começou selado por uma visão da ignorância política, a dislexia social, o
analfahistoricismo geral. Passei a imaginar que gregos e troianos unidos podem mudar essa
história. Não importa de que partido sejam e nem se são ou não de algum partido, porque é
uma questão de noção coletiva, coragem pra dizer basta e atitude pra mudar. Chamem-me de
sonhador e espero vocês com um compasso, uma régua e um GPS e outras possibilidades da TI
para lhes mostrar como um sonho pode se transformar em um traçado de ação e na conquista
de bem estar social.
Segui em silêncio, mergulhei mais fundo na realidade e por sinais, a fé na transformação
eclodiu seu horizonte. Mergulhei na história dos partidos políticos, da República, da América
Latina, começando pela América do Sul. Troquei meu passaporte velho para ir para a Romenia
e recebi um novo cuja designação é o Mercosul. Voltei ao sonho e conduta de integração que
conhecemos na ação de inúmeros políticos e pensadores brasileiros; lembrei de meus amigos
colombianos, peruanos, argentinos, cubanos, mexicanos e das conversas que tive com um
amigo que admiro muito, o Marcio Harum, quando falávamos sobre a falta de circulação e
diálogos internacionais em São Paulo. Renasci depois de uma reflexão fortíssima ocasionada
por uma série de encontros que houveram no CCE SP, organizadas pelo Harum: indeléveis da
nossa reflexão a questão do mais óbvio que surge, ou seja, o fato de que não visitamos os
nossos vizinhos e tampouco os recebemos. Dos encontros, as figuras de Alberto Lopez Cuenca,
Creixell Espila Gilart e Manuela Moscoso. Eles vivem problemas muito parecidos com os
nossos. Bom, para encurtar, desde que retirei meu passaporte novo a palavra Mercosul criou
uma ampliação terrena e possível na minha mente. Fui visitar a Bienal do Mercosul e da
mesma forma, quando olhava o rio Guaíba, surgiu uma intuição de começar um trajeto sul-
americano: o nome da cidade de Montevideo parecia um neon piscando cadenciado aos meus
passos nas ruas de Porto Alegre. Quando li no Jornal “Zero Hora” que o novo presidente do
Uruguay seria escolhido nas próximas horas, não tive dúvida: era só pegar o avião e ver o
resultado nas ruas de Montevideo. Juntei isso com um velho desejo de conhecer o Museo
Torres Garcia e pronto.
Horas depois estava lá, desci em Carrasco, senti uma comoção estranha e meu corpo
pendendo para o lado esquerdo, vi cores, vapores e luz diferente. Minutos depois, estava
abrindo a janela do hotel e mirando a Plaza da Independencia. Desci. No primeiro antiquário
que encontrei, bem na esquina da Bartolomé Mitre com a Sarandi, um galo em bico-de-pena
do Aldemir Martins, dos anos 60 e uma gravura em metal, um exu em cores de Mario Cravo
me davam as boas vindas. Um quarteirão depois encontrava o Museu Torres Garcia e o mapa
da America do Sul de ponta-cabeça, desenhado afinal por um artista oriental que acabava de
explicar a estranha sensação pensa que eu tinha no meu corpo: mudei de Hemisfério. Um
tupamaro, Mujica, havia sido eleito pela Frente Ampla. Esquadrinhei todas as ruas da Ciudad
Vieja, encontrei um velho comitê da Frente Ampla, conversei com socialistas de quatro
décadas de militância: ouvi bem suas palavras e segui atrás do que acabei por encontrar
depois de encontrar algumas coisas e perder um avião e encontrar mais coisas. Na manhã
seguinte encontrei na Aleph a primeira edição de um livro de Torres Garcia: “La Ciudad sin
Nombre”... quando abri o livro foi como se toda uma cidade de encaixa-se ao redor do meu
corpo ínfimo como a peça de um quebra-cabeças no vapor da cena. Voltei ao Museo e olhei
bem a cara do Torres Garcia antes de continuar a caminhada. Em seguida, entrei na Galeria
Latina e encontrei a “Obra de Arte Tangible” de Augustina e Eugenia, que me levou a hija
natural de Torres Garcia, Jacqueline Lacasa e a “Puta La Madre que nos Parió”, de Anaclara
Talento: terminei de olhar a obra e entrou na mesma sala Alfons Hug, que ficou ligadíssimo na
obra de Anaclara. Ecurtando novamente, meu ano começou com a vivência da extrema
desconfiança e terminou no prisma da extrema confiança. A desconfiança é mais ou menos
assim, você ama, a pessoa amada duvida, você quer estender a mão e desconfiam do motivo
da força, você quer dividir a filosofia, alguém compete com você e anula o diálogo, age de modo suprapartidário te excluem das esferas da suposta ação coletiva... então você quer se
integrar a um partido e não há escuta...
Mas, felizmente, existe o outro lado da moeda, alguém que te deu atenção antes, num lugar
distante, lhe revela um sentimento passado e presente e o amor torna-se vivo, muitas pessoas
de um lugar que você nunca pisou antes te abrem as portas e lhe dão a mão numa velocidade
e confiança assustadoras, suas idéias ecoam com a verdade dos primeiros segundos do
encontro, olho no olho e a filosofia, um desejo de integração sudamericana começa a se
estruturar como mágica, a partidarização das coisas desaparece em nome de um conjunto.
Nunca foi tão difícil e tão sem obstáculos, ao mesmo tempo, poder contar essa história e dizer
que regi o acaso apenas atendendo ao desejo sincero de fazer a mostra “se así somos así
seamos”, que é o presente que recebi em 2009 absolutamente sem tempo de guardá-lo sem
que ele já estivesse explicitado in tempo real, como continuará até o dia 31 de janeiro na
Galeria Marta Traba. A mostra é um fruto de colaboração de todos que nela estão. Obrigado!
Com isso vivi também a experiência de não poder duvidar nem um segundo do que estava
fazendo, quase sem saber porque, acreditei por mim e pelos envolvidos por um percurso de
“10 dias”.
Então quero desejar um 2010 de profunda crença a todos e todas cada qual no seu caminho.
Acreditem! Que a magia das casas seja aplicada no mundo, e que o melhor de nós seja dado ao
projeto de um planeta melhor e de relações melhores entre nós e para aqueles que precisam
de atenção. Fé e atenção! Que a magia da casa preencha as ruas de 2010 com a construção-
educação da casa das pessoas e não comece por incendiar vidas as 5h30 da manhã como
passou em 2009. Dignidade aos brasileiros e brasileiras! Apoio mútuo no lugar somente da
competição e da desconfiança e a barbárie que ela gera. Meu coração estará no Brasil e no Uruguay na virada de 2009 para 2010 pela e 100% focado em olhar e mostrar o que precisa ser visto e mudado! Em 2010 minha utopia é provocar a união de todos os políticos a favor do Brasil bem mais que suas siglas e afirmar a arte contra a pobreza.
Um abraço sincero,
Saulo di Tarso.