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quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Vestígios - imagens para o projeto Ecovila Terra do Una, em MG.






















Ecovila Terra do Una: projeto Vestígios, de Samuel Ornelas para a bolsa residência em MG.












Interações Florestais - Residência Artística Terra UNA (Serra da Mantiqueira/MG)
O prêmio Interações Florestais - Residência Artística Terra UNA 2010 recebe inscrições até 03/12/09 por meio do site www.terrauna.org.br. Aos artistas premiados são oferecidas residências artísticas na Ecovila Terra UNA, em Liberdade (MG) - na Serra da Mantiqueira, além de atividades no Ponto de Cultura e Sustentabilidade na mesma cidade. A idéia é de promover a interação dos artistas com a floresta, com o ambiente rural e com a população e os artistas locais. É a segunda edição do prêmio. A bolsa oferecida é de R$ 1.500,00, para um mês de estadia na Ecovila. 10 artistas são selecionados em um processo em que os próprios inscritos escolhem os premiados. Três artistas são convidados para acompanhar esse processo de maneira critica. Dois artistas são escolhidos pela Terra UNA. A primeira edição do prêmio contou com mais de 150 artistas inscritos. A proposta do artista Samuel Ornelas, membro do ateliê Piratininga, é trabalhar essencialmente com desenho - sombras, xilogravuras, fotografias e vídeos, buscando uma interação com a natureza e com o tempo na cidade de São Paulo e em diversas outras localidades, como Paranapiacaba, Santos (na região Portuária do Valongo e no antigo Engenho dos Erasmos), na Praia Grande, São Vicente, Pico do Jaraguá e na Serra da Cantareira (caminhando pela Estrada da Pedra Grande dentro do Horto Florestal). Segue logo abaixo, um texto que desenvolvi para o TCC de sua formatura em Design Gráfico pelo Senac, em 2008, sobre trabalhos utilizando carvão vegetal, terra, areia e pedras.

A Sombra na Sargeta: o prêmio para a poça d`Água
O carvão; por ser a forma mais simples de desenho é por ventura a mais efêmera têmpera que o tempo pôde forjar no coração religioso, nos destinos e sentimentos do artista há pelo menos 5.000 anos. O carvão (como pigmento vegetal) é a base dos sonhos naturais para representar de modo simples, o “espírito móvel da natureza” pela sombra. Grãos são dissolvidos, esmagados e por vezes, misturados com água ou óleo durante a ação única do desenho pela frotagem; entre outros procedimentos naturais usados por Samuel Ornelas para criar e identificar figuras floridas mentalmente no chão, tal qual, um aborígine pode conceber os elementos movediços do universo, ou seja, a luz e a escuridão, que ao longo de uma breve existência, habitam a carne pelos deslocamentos do sol. Formando um diagrama inicial de estruturas inclinadas pelo astro como estudos, como relógios precisos com origens típicas, talvez, na preservação de uma identidade, contida na orla, de sentimentos transportados para o ato de desenhar, se transformam bruscamente em ações de escopo, de registros que invariavelmente são assaltados por muitas dúvidas. Dúvidas essas, típicas de quem quer estar mais próximo (eu posso arriscar) de uma “religião perdida”. É um pouco forte o que acabo de mencionar. Mas, algumas queixas sobre “visibilidade” no íntimo estão em plena erupção pela sua juventude e acredito que podem ser associadas a fragilidade de conceitos novos e velhos, despertados na faculdade e que depois, foram postos em xeque ao relento, através de ações solitárias na rua: a paisagem aberta de sua cidade natal, irradiando salinidade no corpo após um banho de estrelas ou pela saudade de sua família. Essas recordações, no contato com o pigmento, despertam para uma possibilidade de trabalho transcendente, pois os círculos familiares duradouros ajudam a contrapor uma poesia calcada no balanço de uma irritante brevidade. Esta imaginação, ou melhor, este desenho é preservado principalmente por registros fotográficos. Temos neste afastamento temporário do caiçara para as expedições regulares de estudo ao planalto, a tentativa de se enquadrar nas estranhas dimensões que fazem com que os dedos, os olhos, o corpo e a mente de modo geral, por trabalho voluntário, por trabalho “exposto aos elementos naturais” se transformem nas ferramentas adequadas para representar o tempo, como ponteiros especiais presentes na matéria comum, coberta de pó. Na tentativa de medir como amadurecimento de suas idéias as sombras dos elementos beijados pela luz solar; uma viagem, uma dimensão pode se processar lentamente em seu corpo na preparação de um “desenho” em torno do poder muscular das nuvens, do clima, dos sóis que cobrem as cidades do litoral como a Praia Grande. Essa “visibilidade” que eu mencionei de modo vago são nada mais do que especulações de caráter paterno, auto – retratos, imitações de formas humanas identificadas com as ondas que varrem a areia sombria dos castelos construídos e diluídos nas línguas negras próximos ao mar. Detritos são contornados a carvão e galhos, casas, pórticos de construções abandonadas; lugares históricos; lugares passageiros; lugares surpreendidos pelo dia e pela noite estão nos contos de fadas com finais campestres e urbanos; resumidos na sarjeta ao lado da poça d´água. Podem ser lidos como manchas - poemas apagados na maré, acordando o molusco, evocando na quebra inaudível de sua concha o fantasma de Anchieta perdendo-se nas memórias escritas das paredes de um mosteiro, fazendo com que esses trabalhos fotografados, ganhem algum sentido além de meros registros, por vezes (e devemos ter isso em mente) de alguém “extravagante”. Musgos: a acidez da cal e do cimento. Rachaduras: verrumas que crescem nas órbitas das superfícies nuas fazem parte de pequenas atitudes, pequenas aberturas de luz como alfinetes que são, no instante fugitivo, alvo de interesse de um jovem artista cheirando o mundo. É claro que noto neste percurso, certa dependência do meio que pode legitimá-lo, como artista. A atmosfera destes trabalhos realizados com o corpo, com a memória da natureza, torna-se refém, ao menos em parte, do registro digital e toda a produção que cerca um aparato destinado a provar na grade curricular, intenções honestas. Os seus olhos estão naufragados, estão adormecidos até para este outro lado, avesso aos deslocamentos de conceitos produzidos de ante mão para laçar alguma tese, na observação e intuição palpitadas na (inex)experiência no tempo, no princípio da sobrevivência – curiosidade e na descoberta de uma “habilidade”. Algo muito antigo, algo muito devoto, associado á soluções tecnológicas paleolíticas que agora completam e afloram em sua formação. É sutil este estado de espírito e eu identifico, em vários colegas, esta inclinação. O trabalho do Samuel Ornelas pode responder ao desejo (in)útil de querer se inserir no escuro; nas substâncias espaciais e espirituais da sombra que é feita nos relógios do sol como crescimento e recuo da natureza pela luz. Uma natureza que se move silenciosa no poente, despertando-o para a realidade. Mas só percebemos o trabalho e a comunhão que o Samuel faz com o chão e com outras quedas pelas quais o homem surge do pó, ironicamente (digo pela segunda vez) através de registros fotográficos. É um conceito de nossa época registrar aquilo que for pela fotografia como se este registro demonstrasse a medida e o calor adequado para colocar, longe da obra, na tela do computador, os esforços do artista para manter-se conectado com as forças do cosmo, com as forças que movem uma identidade pela dimensão do mundo. Uma arquitetura de pesos desiguais encontra-se quando olharmos para os trabalhos através das fotografias. Algo se reduz. O certo (e isso se mostra de modo ridículo, visto por uma corrente profissional) seria não mostrar nada e não registrar nada, mas apenas sentir (se for possível) uma verdade que pelos olhos pode ser vista, talvez mencionada como “trabalho”, com muito cuidado. O corpo deve guardar as cicatrizes das exposições ao sol, a chuva, aos mistérios que desgastam rapidamente a estrutura em sua lavoura, colhendo o tempo. Uma verdadeira performance, já que a resistência da carne envelhece rapidamente como uma folha. A utopia destes argumentos me leva em direção para uma força, para um sonho, para o desejo de buscar e ver algum dia um artista; alguém que pode livremente realizar a sua viagem, realizar o seu desenho por prazer e identidade, impulsionado apenas pela alegria de mover o “estado natural”, o vigor, pelas quatro estações do ano: primavera, verão, outono e inverno. Embebido na beleza de sua saúde e de sua força cósmica abundante, em harmonia com a violência que transforma a vida: o comer, o beber e o construir; o nascimento e a morte, o artista recebe como prêmio os estímulos, os pensamentos das medidas sagradas descobertas nesta atenção especial “em – si” como uma graça. Tal atitude é relacionada ao aparecimento na sociedade, dos profetas. Outros módulos poéticos são colocados trêmulos diante da possibilidade total da poesia em conjunto com outras fraturas psíquicas que servem para condicionar no corpo certa energia mística, presente nos elementos comuns, até mesmo no asfalto. Estas energias apresentam para ele a realidade, em diversas etapas de sua vida. Posso comparar essa utopia a algo que um dia passou por aqui, talvez a milhares de anos atrás, exatamente nas incisões realizadas em petroglifos que estão espalhados por toda a América do Sul e também, igualmente em muitos lugares telúricos da Europa, Ásia e África; deixadas por civilizações que marcaram nas rochas um “espelho” identificado com as estrelas... com algo ligado a crenças religiosas difíceis de descrever e que, em nada tem a ver com os dogmas impostos hoje em dia. Penso em certo instante na enorme Pedra do Ingá, na Paraíba: um mapa duro das emoções condicionadas pelo céu, uma espécie de o árbitro elementar das coisas vivas, sagradas, amparadas pela terra e a relação de seu corpo no espaço. Uma resistência inteligente ao choque. Uma resposta, no interior do Brasil, as forças transformadoras do mar? Tal silêncio emitido pela Pedra a beira do rio Ingá me mostrou um postulado, uma abertura para um tipo de “respiração” que adquire tempos diferenciados com as esferas habituais que, de algum jeito, cantamos como arte. As incisões e outras manifestações estéticas estão situadas nos padrões de comportamento das órbitas oculares atiçadas nas palpitações de uma origem. Mas, que Origem pode ser esta? Uma inserção, pelo toque das mãos na geologia das formas através do real e principalmente, através da possibilidade de “fender” esta realidade na curvatura natural do espaço? Os desenhos nas rochas fazem parte de uma ruptura simbolizando o nascimento e a morte? Devemos enfim observar o artista objetivamente desta forma? Uma árvore em toda a sua beleza de ser apenas, uma árvore? Consciente, o artista, sob certos aspectos deve almejar esta inocência aparente e manter-se saudável e aberto (sei que é difícil) aos estímulos aduaneiros do cosmo, que estão, desde o nascimento, se desenvolvendo e consumindo o corpo feito o sal ou o açúcar primordial depositados nas células com cuidado. Parece que a gravura, em relação ao desenho e a pintura (sem distingui-las como categorias especiais, mas apenas, como um conjunto uno que levou o ser humano a representar a “naturalidade das coisas”) cumpre um papel importante de fazer o mundo, na matriz, por linhas de força. Elas se conectam de dentro para fora com alcance direto, nos centros nervosos que se solidificam, como imagem, como galáxias no saber. A fotografia cumpre este papel inequívoco de colocar o público ao seu lado em uma determinada experiência como essência de sua criação? Será que todos devem se aproximar deste feito ou isso é proposto por uma ordem externa, avessa a sua vontade. Afinal, como artistas, temos sempre que justificar o cultivo do tempo dentro de um ateliê? Até mesmo do lado de fora, respirando o processo inquietante de estar vivo, temos que justificar certo ócio, necessário ao pensamento criativo? Mas que narcisismo é esse típico dos artistas contemporâneos de quererem dar importância a tudo que fazem, amparados pela “produção e arquitetura teatral” do meio fotográfico? Isso é um perigo e eu vejo com certa intolerância este registro, que facilmente pode ser manipulado por um programa de computação gráfica. Acredito que os arquivos das memórias no Samuel estão associadas com alguma dificuldade para se desprender das coisas comuns, feito uma semente. Quer se livrar dos tempos artificiais para estar convicto de uma presença ao invés de uma manipulação que não condiz a suas ações delicadas de força no mundo real. Mas o artista socialmente precisa existir? Veja; suas obras estão destinadas ao sucesso da brevidade. Elas morrem com a chuva e somem com a onda. Formam a poesia antiga pautada pelos anônimos que cantam para as florestas. Então, é de se pensar que a fotografia, nada mais, nada menos justifica certas ações que se enquadram em alguma profissão corrente, dentro do eixo político dos salários? A frotagem de sua sombra a carvão é feita para experimentar o mundo duro do concreto e do asfalto das grandes cidades, algo complexo para se perceber apenas pelo papel fotográfico. Mesmo assim, tal comunicação existe. Mas é preciso estar ao vivo nesta performance. Uma simplicidade autêntica, como a inteligência primata soube envolver as formas místicas do corpo em arte, em movimento tal qual a irmã celeste, que estabelece uma herança no processo para caminhar e observar o céu, feito um telescópio. A fotografia, após a revelação transforma-se muitas vezes em um mundo virtual por que, mostra para o público, determinado instante no passado, determinada fonte de luz parecida com estrelas muito distantes, emitindo um brilho que já não existe mais. A sombra é a parcela negra da divida do homem para com Deus assim que deixou o Éden. Além de ter de lavrar e buscar pelo “esforço” o seu próprio alimento a alma ficou em divida com a luz. Por isso, assim que nasce o sol nasce a sombra. Das raízes dos pés até as plantas dos cabelos percebemos a sombra abraçando o corpo puxando-nos até o chão, martelando, instruindo na consciência e nos materiais de desenho certa poesia na queda; certa irmandade com a lápide. As distâncias pela fotografia são amortecidas neste registro: um processo de escolha mental e corporal ao pó como forma de trabalho que na verdade, teremos acesso restrito. A foto, preservada e disseminada pela tecnologia digital é estranha ao carvão, que pode ser apagado simplesmente pela chuva. Temos de um lado a facilidade e a permanência deste documento temporal participando da vida enquanto do outro, a própria vida primitiva como combustível a uma pulverização do todo. Uma eleição, que se assemelha a postura de um monge budista soprando com desprendimento uma enorme Mandala, trabalhada grão por grão durante meses a fio, esculpindo a sua forma em cada detalhe com o pólen das flores. Eis que na preservação do seu feito certa necessidade, é encontrada entre as pedras; entre o espírito dos homens das cavernas; entre as pétalas e suas cores. A natureza do artista se move de modo tão perturbador como os raios do sol sobre a pele, trabalhando um roteiro de viagem.