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sábado, 31 de janeiro de 2009
O Mundo no Berço das Nuvens: cartas aos amigos.
O Mundo no Berço das Nuvens: cartas aos amigos. Projeto para escrever sobre gravura a partir da correspondência com diversos artistas.
Considerações sobre ateliês livres de gravura através de uma carta escrita para o artista Gilberto Tomé em razão das atividades ocorridas nas Oficinas Culturais Oswald de Andrade.
São Paulo, manhã chuvosa de quinta feira, 11 de dezembro de 2008.
Caro amigo Gilberto Tomé,
Foi muito bom mais uma vez encontrar você nas Oficinas Culturais Oswald de Andrade. A exposição dos alunos estava muito boa, com uma diversidade de pensamentos dispostos a romper os muros invisíveis / visíveis da timidez, das classes sociais, do tempo e principalmente (no meu modo de entender), de olhar para o valor que encontramos em cada pessoa, em cada célula geradora de sentimentos e conhecimentos que formam, enfim, a imagem gravada por amor ao ateliê, um privilegiado local de trabalho mesmo que nos fundos da instituição. Podemos explorar este lugar exatamente como cápsulas onde as pessoas se encontram, se misturam com pequenos choques e sustos, breves estalos de alegria pela prática da gravura. Temos realmente nos fundos da Oswald de Andrade, um reator onde certas partículas de pensamento em torno de imagens gravadas abrem fendas no tempo particular de cada um, criando desenhos, enigmas, formas complexas ou simples para pensarmos juntos, uma espécie caótica de harmonia para o mundo via imagem objetiva, via cultura urbana, política, econômica - regional / mundial. Questões que passam pela pele (na dimensão de um país?), pelas características específicas do ateliê – município e seus diferentes segmentos (mesmo que interrompidos por longos períodos de tempo).
Tais “manchas” aplicadas no decorrer dos anos foram colocadas ontem, durante a exposição dos alunos que freqüentaram as oficinas. Chamo de “manchas” as tentativas de colocar diante da realidade da vida alguma “imagem” que tenha como fundamento, a tentativa de “multiplicar-se” neste câncer, neste caos de culturas transversais que assaltam os olhos sobre verdadeiros labirintos de possibilidades de comunicação e inserção na corrente do mundo via internet e tecnologia digital. Uma estreita comunhão com o artesanato que praticamente moldou o livro e criou vínculos eternos no coração humano. Um canto universal a uma origem (por necessidade) de expressar a natureza e os efeitos que a luz traz na trajetória de trabalho incisivo como arquivo, memórias, um tipo de conhecimento muscular e filosófico visível nos códigos da matriz. Acho que não estou exagerando levando-se em conta que o corte é uma via real para trespassar a matéria para conhecer interiormente um corpo como norma para estabelecer, uma espécie conjunta de arquitetura onde podemos repousar os pensamentos divinos.
1. Assim são as manchas na pele de um velho: clausulas íntimas de um contrato junto com o tempo de uma vida exposta na luz dos acontecimentos.
2. Assim ocorrem outras concussões no tempo – percurso via estampas - pensamentos por trabalhos desenvolvidos em células - ateliês que acumulam energias em direção as válvulas do movimento criativo, ou seja, da arquitetura, de imagens espelhadas nas condições do homem da cidade em trânsito, em sangue com o comércio e outras culturas práticas de sobrevivência.
Podemos ocultos no ateliê memorizar por instrumentos de corte direto e indireto, símbolos, cifras, poemas injetados pela sensibilidade abalada pelas transformações da cidade figurada por abandonos, ruínas internas e externas aos olhos, demolições e reconstruções de um lugar em processo revigorado tão jovem e tão envelhecido. São Paulo. Tudo na arca da linha e da mancha, do desbaste e da impressão em folhas de papel, tecido, que podem conter a alma dos homens e do dinheiro e da poesia e da luz e de tantos outros códigos discretos, absurdos, corriqueiros e reais de um trabalho muscular e mental, conectado com uma espécie de energia que está sempre em movimento. Este movimento é refletido nas ferramentas pelo corte direto, sobretudo por posturas volantes autênticas onde a imaginação, a violência da paisagem, dos sons despertados da cidade, tornam-se tão vivos e tão nítidos diante do trabalho de operar matrizes de madeira ou de metal que produzem, nas cicatrizes,nas incisões, apontamentos contemporâneos de uma dor ou uma felicidade aguda por compreender como a natureza foi substituída por uma tribo de asfalto, concreto, dinheiro, monóxido de carbono, velocidade inútil e compassos desastrados na educação, conquistada pela técnica e pelo valor fracionado do ser humano alheio diversas vezes ao outro. Um relógio antigo. Um caderno de rascunhos rasgado. O culto deste “demônio” (as circunstâncias que a cidade por memórias perdidas e recuperadas – por falsas promessas de “lugares” familiares que logo desaparecem oferecem, dando lugar a outro absolutamente estéril, como foi o caso do Presídio do Carandiru, demolido... sendo transformado numa praça de árvores mirradas sem qualquer placa, ou explicação do que foi um dia, o horror daquele lugar) é expressamente orquestrado na composição das imagens, dos vultos e tantas outras formas de tentar compreender as escamas que encobrem a carne (por favor, acredite) das emoções que naturalmente brotam vivas (brancas – livres) no fundo do coração, mas que em seguida, ao longo do dia e da noite, são escurecidas pelo choque cinzento da realidade que corrói e corrompe a “verdade”. Os sentimentos. Tornam ácidas as relações mais primitivas como respirar junto ao lado do outro em uma situação de “confinamento”. Podemos observar a natureza destes argumentos nas linhas de metrô e de trens nos horários de pico, onde as pessoas são transportadas como gado. Podemos entender as linhas de trens metropolitanos como linhas de força cuja a safra de operários e outros trabalhadores em diferentes esferas do conhecimento se locomovem feito células geradoras / braçais ou seja, soldados que logo migram de acordo com os horários de maior explosão na cidade – pela manhã, entre 6:30 e às 10:00 ou no fim da tarde ou período de luz, entre 17:30 e 20:00 horas da noite com infinitas variações, acidentes, contando inclusive com a previsão do tempo, da política, e outras coisas que consomem as melhoras horas de um homem, seja em seu carro, dentro de um ônibus, nos trens ou simplesmente à pé, em calçadas feitas na verdade, para a passagem de “fraturas” cotidianamente.
Caro Gilberto, dentro de um ateliê de gravura, dentro destas breves células de saber e de cultura, como disse a você no início desta carta, de choques entre posturas diversas no diagrama que envolve as emoções desta metrópole, consumimos determinada energia escura / luminosa dos centros nervosos e econômicos, ricos e pobres, através de pessoas que estão em busca de algo tão pequeno e rarefeito como gotas de orvalho ácido nas antenas. Aqui, naturalmente, a cor cinza parece acumular riquezas passageiras, cultivando emoções nos labirintos onde a paisagem é cortada por rios e afluentes que se transformam em esgotos e as paixões pelas coisas mais simples, claro, podem desabrochar e morrer tão rápido e tão sutil quanto o suor nos corrimões das estações de trens ou de metrô, expostos ao tempo: manchando, descascando e corroendo o ferro lentamente. Uma Água forte! Veja, por que a “pele” da placa de cobre ou da madeira tratada e lixada pode ser tão receptiva a mancha ou a qualquer marca de gordura forte ao ponto de ser aberta, ao ponto de criar um “desenho” ao menor toque das mãos para receber a força do espírito transformador, que corrompe e participa de uma “planície” povoada de luz e sobretudo de sombras?
Os ateliês livres de gravura recebem os artistas, as pessoas que formam essas células de movimento – conhecimento/ amadores ou profissionais, de portas abertas como as matrizes recebem pelo toque ácido das mãos uma determinada ação. Um fluído gerador de uma imagem – mancha. Nestas matrizes, logo é corrompida a luz e logo as luzes e sombras constroem pontes em direção ao passado e ao futuro. Pontes sólidas, pontes quebradiças na história, abreviada no tempo de ateliê cultivando nas múltiplas possibilidades técnicas a transcendência psicografada pela vontade de animar a matéria. Abrir e fechar ateliês livres de gravura corresponde na mesma medida, em alimentar e matar células nobres de desenvolvimento futuro. O dia a dia comum de um campo de batalha onde o tempo é marcado por relógios estrangeiros a necessidade vital – cultural para justamente, operar na pessoa uma criatividade de “força possível” em momentos especiais de pensamento cuja perspectiva, ensaia as tentativas de sair dos labirintos impostos pelas regras freqüentes da sociedade. Ateliês livres ministram a liberdade quase criminosa de uma cidade povoada de regras. Para quê tantas diretrizes impostas? São liberdades (pequenos apêndices no coração maduro) que irão se alojar nos espaços abertos das matrizes em infinitas operações das ferramentas e outros materiais dispostos no ateliê (nesta órbita) à colidir em imagens impressas sobre papel. Temos um cosmo onde o caos e a harmonia, encontram um lar. Em São Paulo ou qualquer outra cidade onde podem somar vontades fragmentadas que se misturam e se suportam (é bom que se diga) por necessidade aparente, a presença especial de ateliês livres de gravura pode confirmar a plena convicção do corte como uma identidade muscular fragmentada do paulistano. Um “grunhido”, uma palavra arranhada por perícia / imperícia na realidade. Observamos estas incisões quase paleolíticas da objetividade corrompida pelo tormento nos vidros dos trens e dos ônibus que cortam a cidade. O molho de chaves ou um canivete sacado do bolso age como uma metáfora de um assalto nos assentos, ou seja, na “confortável” ilusão do passageiro que rumina a dignidade da revolta na calma (um trajeto obscuro das emoções no coração perturbado) e realiza por vezes, o trabalho (artístico?) nos batentes de alumínio ou nos ferros arrancando a tinta como cascas de uma laranja, alimentando o “seu” poema. Contorna o globo ocular nas esferas do impossível formando assim desenhos e outras grafias típicas de presidiários, porém, detentos (alguns de nós?) mergulhados na imensidão de uma cidade – prisão. São normas absurdas gravadas pela violência de sinais públicos nítidos, animalescos como se conseguíssemos com isso, visualizar a síndrome de Polifemo entre nós, que, com um uivo de desespero na malha dos transportes grita inocência, grita, morde, enlouquece, atira, afunda a cunhagem muscular das letras em plásticos duros. As marcas destas mordidas viajam por quilômetros nas bordas dos assentos – matrizes (arcadas dentárias de uma serpente). Uma didática de trabalho está exposta nas cátedras da educação por excelência da gravura de rua, com direito a síntese grotesca dos desenhos dos rios que fedem como esgotos, na beira de estações mal equipadas e escandalosamente gravadas como se estivéssemos a beira da insanidade. Em um ateliê de gravura, notamos como as informações são despejadas e arranhadas em materiais que chegam e participam também pela via do acaso. Muitas vezes, no trajeto para o ateliê da Oswald de Andrade podemos encontrar nas ruas algumas carcaças, algumas lâminas que logo podem ser usadas como matrizes, como mundos, tal a via de acesso aberto que se bifurcam em necessidades aparentemente banais: plásticos, cds, radiografias, madeiras usadas, descartadas. Procedimentos sujos. Procedimentos autênticos, seculares, simples, com sonhos complexos que vão formar imagens dispostas a sair, violentamente da cabeça dos alunos na forma de poemas e outras canções de impressão e incisão relacionadas com a cidade de São Paulo. São identidades que se perdem e que se misturam ao lado do outro em imagens - objetos deixados na rua. Parece que o artista respira o espírito de um formigueiro recolhendo tudo para dentro do ateliê. Faz com isso ninhos e outros bolsões para suas figuras. Pelo método, são margens expostas de um processo livre ministrado pelo professor que coordena um princípio nobre: o de ensinar a não se “calar” diante do espelho, diante do aluno que como ele, está em busca de seus próprios fragmentos.
São Paulo, manhã chuvosa de quinta feira, 11 de dezembro de 2008.
Caro amigo Gilberto Tomé,
Foi muito bom mais uma vez encontrar você nas Oficinas Culturais Oswald de Andrade. A exposição dos alunos estava muito boa, com uma diversidade de pensamentos dispostos a romper os muros invisíveis / visíveis da timidez, das classes sociais, do tempo e principalmente (no meu modo de entender), de olhar para o valor que encontramos em cada pessoa, em cada célula geradora de sentimentos e conhecimentos que formam, enfim, a imagem gravada por amor ao ateliê, um privilegiado local de trabalho mesmo que nos fundos da instituição. Podemos explorar este lugar exatamente como cápsulas onde as pessoas se encontram, se misturam com pequenos choques e sustos, breves estalos de alegria pela prática da gravura. Temos realmente nos fundos da Oswald de Andrade, um reator onde certas partículas de pensamento em torno de imagens gravadas abrem fendas no tempo particular de cada um, criando desenhos, enigmas, formas complexas ou simples para pensarmos juntos, uma espécie caótica de harmonia para o mundo via imagem objetiva, via cultura urbana, política, econômica - regional / mundial. Questões que passam pela pele (na dimensão de um país?), pelas características específicas do ateliê – município e seus diferentes segmentos (mesmo que interrompidos por longos períodos de tempo).
Tais “manchas” aplicadas no decorrer dos anos foram colocadas ontem, durante a exposição dos alunos que freqüentaram as oficinas. Chamo de “manchas” as tentativas de colocar diante da realidade da vida alguma “imagem” que tenha como fundamento, a tentativa de “multiplicar-se” neste câncer, neste caos de culturas transversais que assaltam os olhos sobre verdadeiros labirintos de possibilidades de comunicação e inserção na corrente do mundo via internet e tecnologia digital. Uma estreita comunhão com o artesanato que praticamente moldou o livro e criou vínculos eternos no coração humano. Um canto universal a uma origem (por necessidade) de expressar a natureza e os efeitos que a luz traz na trajetória de trabalho incisivo como arquivo, memórias, um tipo de conhecimento muscular e filosófico visível nos códigos da matriz. Acho que não estou exagerando levando-se em conta que o corte é uma via real para trespassar a matéria para conhecer interiormente um corpo como norma para estabelecer, uma espécie conjunta de arquitetura onde podemos repousar os pensamentos divinos.
1. Assim são as manchas na pele de um velho: clausulas íntimas de um contrato junto com o tempo de uma vida exposta na luz dos acontecimentos.
2. Assim ocorrem outras concussões no tempo – percurso via estampas - pensamentos por trabalhos desenvolvidos em células - ateliês que acumulam energias em direção as válvulas do movimento criativo, ou seja, da arquitetura, de imagens espelhadas nas condições do homem da cidade em trânsito, em sangue com o comércio e outras culturas práticas de sobrevivência.
Podemos ocultos no ateliê memorizar por instrumentos de corte direto e indireto, símbolos, cifras, poemas injetados pela sensibilidade abalada pelas transformações da cidade figurada por abandonos, ruínas internas e externas aos olhos, demolições e reconstruções de um lugar em processo revigorado tão jovem e tão envelhecido. São Paulo. Tudo na arca da linha e da mancha, do desbaste e da impressão em folhas de papel, tecido, que podem conter a alma dos homens e do dinheiro e da poesia e da luz e de tantos outros códigos discretos, absurdos, corriqueiros e reais de um trabalho muscular e mental, conectado com uma espécie de energia que está sempre em movimento. Este movimento é refletido nas ferramentas pelo corte direto, sobretudo por posturas volantes autênticas onde a imaginação, a violência da paisagem, dos sons despertados da cidade, tornam-se tão vivos e tão nítidos diante do trabalho de operar matrizes de madeira ou de metal que produzem, nas cicatrizes,nas incisões, apontamentos contemporâneos de uma dor ou uma felicidade aguda por compreender como a natureza foi substituída por uma tribo de asfalto, concreto, dinheiro, monóxido de carbono, velocidade inútil e compassos desastrados na educação, conquistada pela técnica e pelo valor fracionado do ser humano alheio diversas vezes ao outro. Um relógio antigo. Um caderno de rascunhos rasgado. O culto deste “demônio” (as circunstâncias que a cidade por memórias perdidas e recuperadas – por falsas promessas de “lugares” familiares que logo desaparecem oferecem, dando lugar a outro absolutamente estéril, como foi o caso do Presídio do Carandiru, demolido... sendo transformado numa praça de árvores mirradas sem qualquer placa, ou explicação do que foi um dia, o horror daquele lugar) é expressamente orquestrado na composição das imagens, dos vultos e tantas outras formas de tentar compreender as escamas que encobrem a carne (por favor, acredite) das emoções que naturalmente brotam vivas (brancas – livres) no fundo do coração, mas que em seguida, ao longo do dia e da noite, são escurecidas pelo choque cinzento da realidade que corrói e corrompe a “verdade”. Os sentimentos. Tornam ácidas as relações mais primitivas como respirar junto ao lado do outro em uma situação de “confinamento”. Podemos observar a natureza destes argumentos nas linhas de metrô e de trens nos horários de pico, onde as pessoas são transportadas como gado. Podemos entender as linhas de trens metropolitanos como linhas de força cuja a safra de operários e outros trabalhadores em diferentes esferas do conhecimento se locomovem feito células geradoras / braçais ou seja, soldados que logo migram de acordo com os horários de maior explosão na cidade – pela manhã, entre 6:30 e às 10:00 ou no fim da tarde ou período de luz, entre 17:30 e 20:00 horas da noite com infinitas variações, acidentes, contando inclusive com a previsão do tempo, da política, e outras coisas que consomem as melhoras horas de um homem, seja em seu carro, dentro de um ônibus, nos trens ou simplesmente à pé, em calçadas feitas na verdade, para a passagem de “fraturas” cotidianamente.
Caro Gilberto, dentro de um ateliê de gravura, dentro destas breves células de saber e de cultura, como disse a você no início desta carta, de choques entre posturas diversas no diagrama que envolve as emoções desta metrópole, consumimos determinada energia escura / luminosa dos centros nervosos e econômicos, ricos e pobres, através de pessoas que estão em busca de algo tão pequeno e rarefeito como gotas de orvalho ácido nas antenas. Aqui, naturalmente, a cor cinza parece acumular riquezas passageiras, cultivando emoções nos labirintos onde a paisagem é cortada por rios e afluentes que se transformam em esgotos e as paixões pelas coisas mais simples, claro, podem desabrochar e morrer tão rápido e tão sutil quanto o suor nos corrimões das estações de trens ou de metrô, expostos ao tempo: manchando, descascando e corroendo o ferro lentamente. Uma Água forte! Veja, por que a “pele” da placa de cobre ou da madeira tratada e lixada pode ser tão receptiva a mancha ou a qualquer marca de gordura forte ao ponto de ser aberta, ao ponto de criar um “desenho” ao menor toque das mãos para receber a força do espírito transformador, que corrompe e participa de uma “planície” povoada de luz e sobretudo de sombras?
Os ateliês livres de gravura recebem os artistas, as pessoas que formam essas células de movimento – conhecimento/ amadores ou profissionais, de portas abertas como as matrizes recebem pelo toque ácido das mãos uma determinada ação. Um fluído gerador de uma imagem – mancha. Nestas matrizes, logo é corrompida a luz e logo as luzes e sombras constroem pontes em direção ao passado e ao futuro. Pontes sólidas, pontes quebradiças na história, abreviada no tempo de ateliê cultivando nas múltiplas possibilidades técnicas a transcendência psicografada pela vontade de animar a matéria. Abrir e fechar ateliês livres de gravura corresponde na mesma medida, em alimentar e matar células nobres de desenvolvimento futuro. O dia a dia comum de um campo de batalha onde o tempo é marcado por relógios estrangeiros a necessidade vital – cultural para justamente, operar na pessoa uma criatividade de “força possível” em momentos especiais de pensamento cuja perspectiva, ensaia as tentativas de sair dos labirintos impostos pelas regras freqüentes da sociedade. Ateliês livres ministram a liberdade quase criminosa de uma cidade povoada de regras. Para quê tantas diretrizes impostas? São liberdades (pequenos apêndices no coração maduro) que irão se alojar nos espaços abertos das matrizes em infinitas operações das ferramentas e outros materiais dispostos no ateliê (nesta órbita) à colidir em imagens impressas sobre papel. Temos um cosmo onde o caos e a harmonia, encontram um lar. Em São Paulo ou qualquer outra cidade onde podem somar vontades fragmentadas que se misturam e se suportam (é bom que se diga) por necessidade aparente, a presença especial de ateliês livres de gravura pode confirmar a plena convicção do corte como uma identidade muscular fragmentada do paulistano. Um “grunhido”, uma palavra arranhada por perícia / imperícia na realidade. Observamos estas incisões quase paleolíticas da objetividade corrompida pelo tormento nos vidros dos trens e dos ônibus que cortam a cidade. O molho de chaves ou um canivete sacado do bolso age como uma metáfora de um assalto nos assentos, ou seja, na “confortável” ilusão do passageiro que rumina a dignidade da revolta na calma (um trajeto obscuro das emoções no coração perturbado) e realiza por vezes, o trabalho (artístico?) nos batentes de alumínio ou nos ferros arrancando a tinta como cascas de uma laranja, alimentando o “seu” poema. Contorna o globo ocular nas esferas do impossível formando assim desenhos e outras grafias típicas de presidiários, porém, detentos (alguns de nós?) mergulhados na imensidão de uma cidade – prisão. São normas absurdas gravadas pela violência de sinais públicos nítidos, animalescos como se conseguíssemos com isso, visualizar a síndrome de Polifemo entre nós, que, com um uivo de desespero na malha dos transportes grita inocência, grita, morde, enlouquece, atira, afunda a cunhagem muscular das letras em plásticos duros. As marcas destas mordidas viajam por quilômetros nas bordas dos assentos – matrizes (arcadas dentárias de uma serpente). Uma didática de trabalho está exposta nas cátedras da educação por excelência da gravura de rua, com direito a síntese grotesca dos desenhos dos rios que fedem como esgotos, na beira de estações mal equipadas e escandalosamente gravadas como se estivéssemos a beira da insanidade. Em um ateliê de gravura, notamos como as informações são despejadas e arranhadas em materiais que chegam e participam também pela via do acaso. Muitas vezes, no trajeto para o ateliê da Oswald de Andrade podemos encontrar nas ruas algumas carcaças, algumas lâminas que logo podem ser usadas como matrizes, como mundos, tal a via de acesso aberto que se bifurcam em necessidades aparentemente banais: plásticos, cds, radiografias, madeiras usadas, descartadas. Procedimentos sujos. Procedimentos autênticos, seculares, simples, com sonhos complexos que vão formar imagens dispostas a sair, violentamente da cabeça dos alunos na forma de poemas e outras canções de impressão e incisão relacionadas com a cidade de São Paulo. São identidades que se perdem e que se misturam ao lado do outro em imagens - objetos deixados na rua. Parece que o artista respira o espírito de um formigueiro recolhendo tudo para dentro do ateliê. Faz com isso ninhos e outros bolsões para suas figuras. Pelo método, são margens expostas de um processo livre ministrado pelo professor que coordena um princípio nobre: o de ensinar a não se “calar” diante do espelho, diante do aluno que como ele, está em busca de seus próprios fragmentos.
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